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14 de agosto de 2014

CONFERENCIA DE ROLANDO TORO AOS ESTUDANTES 
UMA NOVA VISÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS E HUMANOS

Um dos momentos mais felizes para mim é este, aqui-agora, frente a tanta juventude em uma busca desesperada de si mesmo e de uma solução social.
A posição sentada não é uma boa posição. A posição é o movimento. Vocês, muitos de vocês, têm ouvido falar de Psicodança, que é uma arte de uma disciplina maior chamada Biodança, regida pelas regras gerais da vida. Biodança está baseada no estudo das origens mais primitivas da dança.
Quando vocês escutaram o título desta conferência: “Biodança, uma nova visão dos problemas sociais e humanos”, talvez tenham se surpreendido. Que significa isto? - alguém dirá - que num mundo como o nosso, com fome, com genocídio, com tortura, com guerra, com bomba atômica, um grupo de gente se põe a dançar? Pareceria uma inconseqüência, certo? É uma pergunta que surge naturalmente: que crêem estas pessoas? Que, com a dança, vão fazer alguma modificação?
Sim senhores, porque a dança no seu sentido mais original, mais profundo, é o movimento da vida. A dança não é balé, não é um espetáculo, não se trata de fazer figurinhas num cenário. A dança é um movimento profundo que surge do mais entranhado do homem, com o ritmo biológico, com o ritmo do coração, da respiração; é um movimento vinculado à espécie humana, é um movimento vinculado ao cosmos. É algo que nos irmana verdadeira e profundamente, não através de uma ideologia meramente conceitual, mas sim que nos irmana com tudo que nós somos. Vale dizer: cada um de vocês, ainda que não o saiba, está dançando sua vida. Cada um de vocês não está na “Divina Comédia” de Dante Alighieri, nem na “Comédia Humana” de Balzac. Está na dança do mundo, de Roger Garaudy.
Quando dois enamorados correm pela praia, isso é uma dança. Quando um homem põe seu filho sobre os ombros e brinca como um cavalo, é uma dança. Quando dois amigos se encontram e se abraçam, estão fazendo a grande dança humana: a Dança Cósmica.
Vejam: as transformações, as mudanças, para que tenham um sentido evolutivo, têm que ser em referência a um centro interior. Têm que ser em referência a um princípio de gravidade e equilíbrio; de vinculação nossa com o centro de gravidade da terra. Porque toda outra mudança é externa e não é uma mudança de fundo. É uma mudança parcial, que às vezes pode resolver problemas locais. Mas, se aquele que quer fazer mudanças sociais não muda a si mesmo, não tem nada a oferecer. Então, qualquer transformação de grupo, qualquer transformação social, nós pensamos que tem que ser feita a partir da saúde, não a partir da neurose. Quer dizer, os que fazem a transformação, que são vocês, têm que ter algo grande que dar. Tem que ter saúde, fraternidade, altruísmo, erotismo, vitalidade, vinculação com a natureza. Não há transformação político-social a partir da neurose. A gente que faz Biodança logo sente uma necessidade real, uma vocação que não é um simples contágio estudantil, mas sim uma profunda vocação, um chamado para tratar de resolver os problemas humanos na medida de suas escassas forças. Deste modo, se incorporam ao magno processo de transformação. Neste momento, quiçá pareça muito exagera-do falar da influência de Biodança numa transformação social. Mas nossos objetivos são absolutamente claros e irrenunciáveis. Vamos fazer esta transformação até onde possamos.
Em toda América há grupos de gente fazendo Biodança. Estão se pondo em contato consigo mesmo e com a gente que tem ao seu lado, com a gente que os rodeia. Já não se trata de pôr-se em relação com uma sociedade utópica, não se trata de pôr-se em relação com a humanidade “in abstracto”, mas sim com a gente concreta de carne e osso.
Eu, talvez, logo me exaspero demais, porém estou um pouco revoltado com as revoluções que se fazem a partir da neurose ou da idealização neurótica. Eu creio muito mais num revolucionário que trabalha concretamente com um pouco de gente, que naquele que se reúne para planificar o mundo e que sabe de memória os livros da transformação social. As mudanças se fazem a nível de gente; não se fazem a nível cortical, se fazem a nível hipotalâmico.
Nossa proposta é induzir vivências através da dança, do canto, de exercícios de comunicação em grupo. No começo, a gente tem pavor de alguns exercícios, porque vivemos estruturados nos preconceitos transmitidos por nossos pais e essencialmente transmitidos por um fio de patologia da história, que pretendeu separar o corpo da alma. Esta doença da cultura é anterior a Platão.
O esforço cultural de toda uma civilização para separar o corpo da alma, deu como resultado que o corpo perdesse importância: o corpo pode ser massacrado, o corpo pode ser torturado, o corpo pode ser submetido à fome, à miséria. Podem morrer povos inteiros com uma bomba de nêutrons, construída com a colaboração das mais brilhantes inteligências, porque ao final, são os princípios, a alma, o que importa. O corpo não importa. Chegamos a tal situação de civilização patológica - por esta dissociação corpo-alma - que talvez a única esperança sejam todas aquelas disciplinas, todas aquelas ações que tendem a unificar o ser humano, quer dizer, que seu corpo seja a expressão mesma de tudo que ele é, de toda sua existência.
Então, é necessário não só recusar os mandatos familiares, mas sim é necessário cortar o fio da história.
É necessário fazer uma transvaloração, acabar com os preconceitos que nos têm amordaçado, imobilizados por uma espécie de fascismo interior. Fascismo interior que tem a gente desta época e que é mantido e conservado pelas universidades, por uma série de doutrinas, leis e seitas; um fascismo interior mantido a nível doméstico pela fofoca, que é uma forma de controle social. O fascista, o policial, estão a nível doméstico. A gente protesta contra os fascistas externos que são apenas uma projeção do que nos somos.
Nós nos pomos a mordaça e protestamos contra a censura. Primeiro, nós temos de tirar nossa própria mordaça e depois, se vem a censura, protestar contra a censura externa. Mas o censor, nós o temos dentro. Então, o problema é esse: que a nível coletivo esta censura, esta repressão, esta imobilização com cadeias (que nos mesmos nos pomos) fazem uma somatória que finalmente dá origem as magnas estruturas de dominação e repressão. De maneira que primeiro temos que liberar a nos mesmos.
Realmente, eu gostaria de poder sintetizar em poucas palavras os princípios teóricos da Biodança, seus fundamentos antropológicos, sociológicos e as concepções criativas que a sustentam.
A primeira obrigação que temos como criadores é parir-nos a nós mesmos. Dar-nos à luz. Nascer de novo. Isso é o primeiro que temos a fazer. Morrer para o corpo rígido, preconceituoso, tenso, cheio de doenças psicossomáticas, sem energia, angustiado, submetido ao “stress”. Morrer para esse corpo e renascer para um corpo com mais energia, com mais vitalidade e, sobretudo, com mais amor, com mais ternura (essa palavra tão desprestigiada; a ternura).
Mas eu tive que envelhecer para dar-me contra de que não havia outro caminho. Percorri muitos outros. Agora, eu ofereço a vocês, de todo coração, experimentar, lançar-se a um trabalho com vocês mesmos, um movimento. Pôr ritmo dentro de vocês. Pôr harmonia dentro de vocês. Assumir o amor que vocês têm. Logo, de vocês mesmos vai nascer o impulso de transformação social.
Eu não creio em um revolucionário rígido, incapaz de brincar com as crianças, que não pode fazer amor, que tem problemas e conflitos terríveis. Que pode ele - tão doente quanto aqueles que governam - oferecer à sociedade? Poderá dar alguma coisa melhor do que aquela gente miserável? Aquele que pretende fazer mudanças tem que ter tal plenitude, estar tão cheio de vida, de força, que disponha de saúde para repartir generosamente. Não pode surgir uma mudança de um déficit, não pode surgir a mudança de uma carência. Tem que surgir da superabundância.
Eu creio que o Brasil é o país do futuro, da esperança, porque aqui existe a parte selvagem, hipotalâmica, emotiva. Vocês estão vivos. Eu conheço outros países, países de mortos, de gente incomunicável que somente pergunta qual é o preço das coisas, para que servem; mas que não são capazes de olhar-se nos olhos. Não tem sentido suas vidas. Nós, primeiro que nada, temos que ser bons animais.

Pergunta l: “Só uma pergunta: O Sr. não acha muito difícil a gente ir contra o sistema tecnocrático? Ele é muito poderoso; eu acho, sabe?”
RT: Por isso temos que transformar também a tecnocracia. Isto, para muitos, pode parecer uma utopia: levar aos tecnocratas um princípio de vida. Em São Francisco, na Califórnia, fiz Biodança com um grupo de físicos nucleares, cibernéticos, engenheiros atômicos, e logo eu me dei conta que também têm um fundo humano que pode ser resgatado. Se essa gente faz Biodança, dela vai nascer as pontas de lança que vão impedir a expansão da bomba de nêutrons. Nós, desde nossa pequena órbita de influência, pouco podemos fazer. Mas toda a gente tem que ser englobada em uma transformação.
É importante possuir certa adaptação, certo nível mínimo de sobrevivência e uma capacidade de luta muito grande. Não se pode repetir o processo dos “hippies”, que descobriram um paraíso, o qual não souberam defender. Eles souberam perceber o “irmão”, a doçura do mundo, da natureza. Através da droga descobriram uma nova visão, mas foram incorporados e arrasados pelo sistema. Por que? Por uma simples razão: ficaram em êxtase de contemplação. Não reforçaram sua capacidade de luta. Como os sumérios, que aparecem nessas cerâmicas milenares, com grandes olhos contemplativos e que foram arrasados pelos povos guerreiros de forte identidade agressiva.
Pois bem, o aluno de Biodança tem capacidade de luta, tem identidade, não é fácil de dominar, reforça sua identidade quando é necessário, mas não anda permanentemente pondo barreiras. Quando tem de fazer o amor, quando brinca, quando está na montanha, em meio ao coro dos passarinhos, quando tem que mergulhar no mar, não tem que estar se defendendo com sua “couraça caracterológica”. Tem que estar em transe, como os “hippies”. Mas quando chega o momento de tomar em suas mãos os elementos de transformação, tem que ter uma lucidez e uma consciência absoluta. Tem que ter uma identidade forte. Isto que não tiveram os “hippies” e que por isso desapareceram. Jerry Rubben, um dos líderes dos “hippies” norte-americanos, esteve em minha casa no Chile e me contava que muitos grupos foram a pequenas cidades com suas barracas e a gente “decente” do povo, na noite, os matou com paus, porque tinham medo de que estes homens demasiado paradisíacos violassem suas filhas. Os Mataram-nos a pau na noite. Quando de me perguntava “Que podemos fazer?”, eu respondi: “Instalar-se na grama, com as barracas; mas ter armas modernas. E, em caso de que venha a gente decente‟ para agredi-los, vocês disparam uns tiros no ar”.
Quero dizer: a gente de Biodança não dá a outra face. Se lhe golpeiam, agem em “feed-back”. Não respondem tampouco de forma desproporcional. Mantêm firmeza permanente. As pessoas dão amor, você dá amor. As pessoas dão violência, você resiste. A luta, porém, é desigual. Que podem fazer, por exemplo, os ecologistas que pertencem à resistência ecológica, contra os imensos interesses econômicos que querem não apenas poluir nossos rios, poluir o ar, poluir as ruas, destruir as espécies, senão que querem também destruir nossos genes contaminando-os com o lixo radioativo, de forma que durante milhares de anos nossos netos e bisnetos herdem a monstruosidade? Porque o sistema tecnológico não se detém em nada. Não lhe importa nem seus próprios netinhos. O que lhe importa é seu negócio.
Bem, é por isso que a Biodança, junto ao prazer de viver, propõe uma fenomenologia da coragem de viver. Temos que atrever-nos. Têm que tirar a mordaça que vocês mesmos se põem. Têm que tirar a polícia e os fascistas que têm dentro.

Pergunta 2: “Como o Sr. considera que se pode metabolizar a agressão? Quando um está bem e, a seguir, sai à rua e começa a encontrar pura violência, como elaborar esta agressão?”
RT: A agressão é uma cadeia de agressões que deflagra. O importante é que você tenha uma agressão não neurótica, mas sim uma agressão criativa. Porque a agressão é como a deflagração atômica: o chefe de uma instituição insulta a seu empregado. O empregado guarda sua violência e insulta sua mulher quando chega em casa. A mulher bate nas crianças, para descarregar. As crianças, já indefesas, puxam o rabo do gato.
Mas o afeto, a fraternidade, a ternura humana, também deflagram. Eu, de alguma maneira, sinto a aula de Biodança como um campo de guerra: enquanto estão torturando em outro lugar a uma pessoa, na aula de Biodança dois estão dando um abraço profundo e sentem o poder da fraternidade. Enquanto se está produzindo a aniquilação num lado, está se reproduzindo a criatividade na aula de Biodança. Quer dizer, de alguma maneira são campos de guerra. Eu estou descobrindo que alguns mecanismos são mais sutis que a agressão. Eu creio que a batalha é muito difícil e talvez inútil. E talvez sem esperança. Mas eu penso que se não se faz algo, aí sim que não há esperança.
É possível que logo sejamos arrasados; enquanto estamos numa aula de Biodança cai uma bomba atômica ou chega a polícia e enterra uma baioneta na barriga de todos nós. Tudo é possível neste mundo. Mas é provável que logremos certas modificações profundas, claras, em gente que, a seguir, vai ser dirigente do país, que vão ser vocês, porque e questão de tempo. Então, é possível que haja modificações profundas. Que possa haver uma saída. Agora, nós não postulamos uma ideologia política concreta; postulamos simplesmente condutas de relacionamento profundo.

Pergunta 3: “Biodança utiliza rituais mágicos?”
RT: Biodança não tem conotações mágicas. Baseia-se na ciência convencional, na Biologia, na Neurologia, na Psicologia avançada, na Antropologia, na Sociologia, na Ecologia e nas Ciências Políticas. Mas não tem magia, porque as coisas que não podemos explicar de acordo com a ciência, nos suspendemos o juízo.

Pergunta 4: “Como se produz o processo de dissociação nas pessoas?”
RT: O corpo tomou significações simbólicas e, através destas simbolizações tem-se dissociado. Por exemplo, a parte que vai da cintura para cima é - dentro da concepção idealista platônica - sublime. Daí para cima é algo puro. A menina diz para o seu namorado: “Você pode fazer o que quiser daqui para cima, mas não daqui para baixo”. Então, se o namorado começa a tocar as coxas dela, ela diz: “Você não me ama, você me deseja”. Aí está revelando toda a sua dissociação. Tem parcelado seu corpo com conteúdos simbólicos que têm distintas conotações.
O ser humano, atualmente, está dividido, dissociado devido a estas simbolizações de tipo cultural. Por exemplo: uma pessoa que sente muita culpabilidade, culpa porque lhe deram um beijinho, porque não fez os deveres da escola, porque chegou atrasado na universidade, porque ganha pouco etc. Vive num mundo de culpa. Então, essas culpas se vão registrando sobre a musculatura e finalmente a pessoa tem um bloco de rigidez dorsal. Outra sente repressão sexual. Pensa que o sexual é maligno, perigoso, vergonhoso, pecaminoso. Está constantemente projetando sobre a pélvis esta repressão (mecanismo denunciado por Wilhelm Reich). Isto põe tensa a musculatura pélvica de forma crônica e provoca transtornos da função do orgasmo e rigidez no ato de caminhar.
Outro exemplo é a dissociação afetivo-prática: as pessoas sentem ou desejam uma coisa e fazem outra. Este transtorno se revela pela dissociação entre os braços e a região peitoral.
Ocorre também outra forma de dissociação a nível do rosto, por exemplo: se você encontra uma pessoa e lhe pergunta: “Como vai você?" – “Tudo bem”, responde, sorrindo, com lágrimas nos olhos.
A dissociação corporal entre a parte superior, “sublime”, “espiritual”, e a parte inferior, “sexualmente vergonhosa”, “animal”, é própria dos neuróticos, em especial dos histéricos e obsessivos. A gente está despedaçada pelas ideologias, preconceitos, temores, medos. Quer dizer, por toda uma patologia cultural.

Pergunta 5: “Como é relação corpo-alma na Biodança?”
RT: As civilizações ocidental e oriental fazem esforços desmesurados para separar o corpo da alma. Em Biodança se busca conquistar a unidade para o indivíduo. Corpo e alma são duas dimensões de uma só realidade. A integração que se faz em Biodança consiste em fundir corpo e alma em uma Totalidade.

Pergunta 6; “Se em Biodança só se trabalha em grupo, como se tratam os problemas individuais?"
RT: Os terapeutas, em geral, pensam em função de uma patologia individual, quando na realidade a patologia é social. A patologia se radica nos valores que as pessoas sustentam. Quando a pessoa vai ao psicólogo e diz: “Eu quero solucionar meu grave problema. Meu namorado foi embora”. Esse não é um problema. O assunto dela é que ela não sabe enfocar a forma que tem os relacionamentos humanos. Porém, o que ela tem que melhorar é seu modo de vinculação. Não resolver o problema com esse namorado só. Então, para resolver o problema de sua forma geral de vinculação, tem que mudar alguns valores. Mas esses valores não se mudam a nível da consciência, senão que se mudam somente ensaiando, experimentando as mudanças “aqui e ago-ra” na aula de Biodança. Porque você pode ter muito clara a dinâmica do seu conflito, mas “na hora certa” tudo fica igual. Tem clara a dinâmica, mas a conduta continua patológica. Então o que tem que fazer é modificar, experimentar novas respostas, regravar novos reflexos e isso somente tem que ser no terreno aqui-agora e não num “como se” imaginário. Tem que ser num “em si”.
Agora podemos fazer algumas experiências. O importante é viver as coisas mais que pensar. Biodança não é autoritária. Seria uma contradição. De modo que participam as pessoas que desejam.

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